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Saúde mental, liderança e representatividade: O cuidado como princípio de transformação no MUT Brasil

Por Fabiano Biazon

Márcia Di Paula | MS Universe Trans 2024 - Foto: @delhicollegeofphotography
Márcia Di Paula | MS Universe Trans 2024 - Foto: @delhicollegeofphotography

Em um cenário onde concursos de beleza muitas vezes reproduzem padrões excludentes e pressões emocionais intensas, o MUT Brasil surge como uma plataforma disruptiva — não apenas pela representatividade que carrega, mas pela profundidade de seu compromisso com o cuidado integral das pessoas trans.

 

Conversei com dois especialistas que estão à frente desse novo olhar sobre beleza, saúde e pertencimento: o psiquiatra Dr. Alex Terra e a terapeuta sistêmica Simone Mallmann.

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Eles integram a equipe que tem promovido, dentro do MUT Brasil 2025, uma abordagem inovadora para o confinamento — transformando essa etapa emocionalmente desafiadora em um espaço de escuta, fortalecimento e construção de vínculos.

 

Na entrevista a seguir, os dois profissionais refletem sobre como a saúde mental pode ser um motor de transformação individual e coletiva, e por que o cuidado emocional é parte essencial de qualquer proposta de visibilidade que pretenda ser também ética e transformadora.

 

O MUT Brasil entende que não há liderança possível sem saúde emocional. E é justamente neste cruzamento entre visibilidade, cuidado e pertencimento que essa plataforma se torna pioneira — um espaço onde cada história encontra sentido, reconhecimento e espaço para florescer.

 

Dr. Alex, o senhor tem uma atuação reconhecida na psiquiatria voltada ao cuidado integral. Como sua experiência clínica contribui para lidar com os desafios emocionais em contextos como o confinamento do MUT Brasil?

 

Minha trajetória sempre esteve voltada à escuta atenta e respeitosa da singularidade de cada pessoa. Em mais de duas décadas atuando tanto na saúde pública quanto em consultório, aprendi que um ambiente de cuidado emocional só se torna verdadeiramente terapêutico quando há espaço para a autenticidade e o acolhimento da experiência vivida — sem julgamentos, sem rótulos.

 

No confinamento do MUT Brasil, um espaço naturalmente intenso do ponto de vista emocional, o cuidado está em ajudar cada participante a se sentir seguro o suficiente para reconhecer e expressar suas emoções, dúvidas e histórias. Quando a pessoa se sente aceita e compreendida como é, há um fortalecimento interno que a ajuda a lidar com as pressões externas e a se apropriar de sua própria narrativa com mais liberdade e confiança.

 

 

Simone, seu trabalho como terapeuta sistêmica tem foco na escuta, nos vínculos e no pertencimento. Como essa abordagem pode transformar a forma como essas participantes se veem e se relacionam entre si?

 

A terapia sistêmica costuma observar o indivíduo em sua totalidade, além de observar as relações das pessoas. Essa abordagem pode auxiliar as participantes a identificarem seu lugar dentro do sistema onde se encontram inseridas, como parte de uma comunidade, sentindo-se vistas e valorizadas. O concurso se torna mais que uma competição, vira um lugar de afirmação e identidade. Através de dinâmicas, vivências, é possível construir um fortalecimento dos vínculos das participantes, assim, elas podem perceber que não estão sozinhas e que suas histórias ecoam nas histórias das outras. Isso gera uma rede de apoio que pode durar além do evento.

 

Em suma, as participantes deixam de ser vistas isoladamente, passando a ser reconhecidas em suas conexões. As relações dentro do concurso podem ser uma fonte de cura e não de competição destrutiva. O impacto vai além do palco, reverberando na autoestima, vínculos familiares e comunitários.

 

Sobre a presença da saúde mental como eixo estratégico do MUT Brasil

 

O MUT Brasil escolheu, com intencionalidade, integrar a saúde mental à sua plataforma de formação de lideranças. O que representa, para vocês, essa decisão de colocar o acolhimento emocional no centro de um projeto de visibilidade nacional?

 

Uma grande satisfação, pois cuidar da saúde mental é algo imprescindível para todos nós. Incluir o cuidado com a saúde mental em um projeto como este, tem impactos significativos em diversas frentes, como por exemplo, na redução do estigma, pois o tema saúde mental ainda é carregado de preconceitos. Assim, com este projeto de grande alcance, possibilita que o tema seja normalizado, mostrando que a busca por ajuda não é sinal de fraqueza, mas sim de cuidado consigo mesmo.

 

Outro ponto é o acesso à informação, pois muitas pessoas não sabem identificar sinais de sofrimento mental ou não sabem onde buscar ajuda. Com o MUT Brasil, essas informações podem ser mais bem disseminadas. A inclusão da saúde mental dentro da plataforma MUT Brasil, que tem amplo alcance, auxilia também na prevenção, incentivo a políticas públicas, fortalecimento de redes de apoio, redução das desigualdades, dentre outros benefícios.

 

Por que é urgente falar de saúde mental quando falamos de representatividade, ativismo e liderança trans?

 

A população trans enfrenta violências estruturais e cotidianas. Pessoas trans estão entre os grupos mais vulneráveis à violência física, psicológica, institucional e simbólica. Sofrem desde rejeição familiar até discriminação em escolas, trabalho, saúde e segurança pública. Essa violência constante afeta diretamente a saúde mental, gerando altos índices de depressão, ansiedade, automutilação e suicídio.

Lideranças e ativistas trans carregam demandas coletivas enormes. Muitas vezes são a única referência para sua comunidade, acumulando tarefas de educar, acolher, se expor e lutar. Isso gera sobrecarga emocional, burnout e solidão. Falar de saúde mental é garantir suporte para quem cuida de todos.

 

Mesmo com avanços legais, políticas públicas para saúde mental ainda não chegam de forma específica para pessoas trans. Muitas enfrentam atendimento transfóbico, despreparo de profissionais ou total ausência de serviços especializados, o que amplia o sofrimento e o isolamento.

 

Fortalecer a saúde mental é garantir sobrevivência, autonomia e poder de ação. Pessoas trans mentalmente saudáveis têm mais força para ocupar espaços, disputar narrativas, mudar leis e inspirar outras a viverem suas verdades. Cuidar da mente é também uma forma de resistência política.

Projetos de representatividade que ignoram a saúde mental podem acabar explorando corpos e histórias trans sem oferecer contrapartidas reais de cuidado.

 

 

Sobre o acolhimento, a escuta e o fortalecimento do grupo

 

O confinamento costuma ser visto como uma etapa competitiva, mas no MUT ele se torna também espaço de escuta. Como vocês têm pensado essa vivência coletiva para que ela seja segura, potente e respeitosa?

 

A construção de um espaço coletivo seguro parte do reconhecimento de que toda convivência humana é também uma troca afetiva e simbólica. Trabalhamos para que esse espaço funcione como um campo de expressão legítima, onde cada uma possa ser quem é, sem precisar se moldar a expectativas externas para ser validada.

 

A potência do grupo está justamente na escuta mútua, no acolhimento das diferenças e no respeito pela trajetória de cada participante. Isso exige uma presença atenta por parte das equipes e uma ética de relação que promova confiança, empatia e liberdade. O resultado é um grupo que se fortalece não pela comparação, mas pelo vínculo, e que transforma a competição em convivência criativa.

 

De que forma a escuta mútua, o reconhecimento entre pares e o acolhimento podem gerar uma mudança estrutural na autoestima e no senso de pertencimento dessas participantes?

 

Quando somos verdadeiramente ouvidos por alguém que não está nos julgando ou tentando nos corrigir, algo profundo se transforma. Essa escuta autêntica permite que a pessoa reconheça seus próprios sentimentos com mais clareza, resgate aspectos de si que haviam sido silenciados e construa uma autoimagem mais coerente com suas vivências.

 

No contexto de um grupo, o reconhecimento entre pares tem um efeito transformador: ao ver sua dor, sua beleza e sua história refletidas no outro, a participante não apenas se sente menos sozinha, mas também mais pertencente. É esse senso de pertencimento que sustenta uma autoestima mais sólida, menos dependente de padrões externos e mais enraizada em experiências vividas com verdade e conexão.

 

Sobre expectativas e impactos da vivência

 

O que vocês esperam que fique como marca emocional e simbólica para essas mulheres após essa experiência no confinamento do MUT Brasil?

 

Que elas carreguem consigo os aprendizados adquiridos na vivência, a importância do cuidado com a saúde mental, a importância da cooperação mútua, da construção de uma rede de apoio, à conservação das amizades construídas durante o evento e a disseminação dos aprendizados, para que possa impactar outras pessoas da comunidade.

 

Vocês acreditam que esse tipo de iniciativa pode inspirar outros projetos e instituições a repensarem suas abordagens sobre beleza, visibilidade e liderança?

 

Com certeza. O cuidado com a saúde mental deve ser incluído em todas as frentes possíveis, inclusive em outros concursos de beleza, visto que são ambientes potencialmente tensos, que podem acarretar dificuldades no âmbito da saúde mental das candidatas e candidatos.

 

É preciso perceber que o cuidado com a saúde mental tem diversos impactos positivos em muitas frentes, especialmente em ambientes de visibilidade e liderança.

 

Sobre a importância da parceria e do diferencial da plataforma

 

Essa parceria entre ciência, terapias integrativas e escuta ativa mostra que o MUT Brasil está inovando ao promover beleza com propósito. O que diferencia essa iniciativa de outros certames tradicionais?

 

O comprometimento que o MUT Brasil tem com suas candidatas, oferecendo um cuidado em saúde mental é de extrema relevância. Mostra que a plataforma está realmente preocupada em garantir um ambiente cuidadoso, acolhedor e com significado para suas participantes, não tendo o único foco na beleza e na competição. Mostra também que estão preocupados em proporcionar transformações nas vidas das pessoas que participam dessa vivência, além de proporcionar um ambiente construtivo de rede de apoio que se estenda para além do concurso.

 

Na opinião de vocês, o que torna o MUT Brasil uma plataforma pioneira quando o assunto é inclusão, saúde emocional e transformação social por meio da representatividade?

 

O diferencial do MUT Brasil está na forma como alia representatividade, inclusão e cuidado emocional, rompendo com padrões estreitos de beleza e comportamento. Mais do que eleger vencedores, a plataforma promove um espaço onde as pessoas podem ser vistas e ouvidas em sua totalidade, afirmando suas histórias e identidades únicas. Essa abordagem amplia possibilidades de transformação pessoal e social, ao demonstrar que diversidade e autenticidade são forças que enriquecem o coletivo. O MUT não apenas celebra a individualidade de cada participante, mas também contribui para mudanças culturais, tornando visível que a autoestima e a saúde emocional florescem em ambientes de respeito, liberdade e pertencimento.


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Especialista na gestão de carreiras de modelos para o mercado internacional, Fabiano Biazon acumula mais de duas décadas de experiência no segmento. Por mais de 10 anos, juntamente com Mateus Ahlert, liderou a conceituada agência Premier Models.  Foi responsável pela descoberta e preparação de centenas de modelos, como Léo Bruno, ex-empacotador de supermercado em Criciúma, que se tornou estrela de uma das campanhas da Louis Vuitton, e Daniela Sulzbacher, que modelou em Paris, Itália, Nova York e Tóquio. Durante a pandemia, adaptou os processos de construção de talentos para o formato on-line: da escolha inicial a preparação individual do casting.

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