ENTREVISTA: Saulo Macallos — Direito, Diversidade e Moda como Atos de Resistência
- Fabiano Biazon
- há 4 dias
- 5 min de leitura
Por Fabiano Biazon
Durante o Fórum MUT da Diversidade e Inclusão – Painel 6: Práticas que Inspiram, o advogado e ativista Saulo Macallos compartilhou sua trajetória marcada pela luta pelos direitos LGBTQIA+, pela inovação no meio jurídico e pela conexão com a moda e a arte como formas de transformação social. Nesta entrevista exclusiva à Revista Eleve, ele fala sobre desafios, conquistas e a visão de futuro que orienta sua atuação.
Trajetória e Formação
O que o inspirou a se tornar advogado e engajar-se pela causa LGBTQIA+?
Minha formação não começou no Direito. Iniciei em Arquitetura, atraído pela História da Arte, mas acabei encontrando no Direito um caminho de impacto social. Desde cedo enfrentei preconceito pela minha orientação sexual e foi nesse contexto que a defesa da causa LGBTQIA+ se tornou não apenas inspiração, mas uma forma de resistência e compromisso ético. Sempre digo que faço valer o juramento do bacharel em Direito: “Não faltar com a causa da humanidade.”

E como foi sua aproximação com a desembargadora Maria Berenice Dias?
Ela foi decisiva. Maria Berenice já era referência nacional, primeira juíza mulher no Rio Grande do Sul e pioneira ao falar de novas configurações familiares, como a homoafetiva. Ouvi-la em um congresso mudou meu rumo. Anos depois, já atuando na política e no Direito, nos encontramos, e ela me convidou para participar da criação da Comissão da Diversidade Sexual da OAB. Ali nasceu uma parceria e amizade que já dura quase 20 anos.
Quais foram os principais desafios no início dessa atuação?
Foram dois: o medo dos próprios colegas advogados em se expor, por conta da homofobia estrutural, e a resistência da minha própria família, que me perguntava: “Vai te expor por quê?” Enfrentar esse cenário exigiu coragem. Hoje, ao olhar para trás, vejo que cada passo foi essencial para abrir espaço para muitos.
Contribuições e Impacto Jurídico
Como foi criar e fortalecer a Comissão da Diversidade da OAB?
No início, contávamos com pouquíssimos nomes. O desafio era arregimentar advogados LGBTQIA+ para a causa. Mas persistimos e hoje a Comissão é uma grande potência, reconhecida nacionalmente. Tivemos conquistas históricas, como a redação do Estatuto da Diversidade Sexual, apresentado ao Congresso como projeto de lei de iniciativa popular.
O que significam termos como “homoafetivo” e a sigla LGBTQIA+ para o debate?
São palavras que mudaram o Brasil. Quando me formei, sequer existia o termo “homoafetivo”. A sigla também evoluiu: começou em GLS e hoje soma múltiplas identidades, cada uma com seu valor. Cada letra representa um universo que exige respeito e regulamentação jurídica.

E como avalia as conquistas legais, como a união homoafetiva e a alteração de nome e gênero em cartório?
Foram marcos fundamentais. A união homoafetiva foi reconhecida pelo STF em 2011, superando a inércia legislativa. Já a possibilidade de alteração de nome e gênero diretamente em cartório sem judicialização trouxe dignidade às pessoas trans. Essas vitórias nasceram da pressão social e do trabalho coletivo.
Ativismo e Mobilização
A comunidade LGBTQIA+ precisa se organizar mais para avançar?
Sem dúvida. O caminho é o acolhimento interno — gays, lésbicas, trans, todos abraçando uns aos outros — e também a soma com outras lutas: mulheres, pessoas negras, deficientes. Cada vez que abraçamos uma causa, essa causa nos fortalece.
Qual o papel da OAB nesse processo?
A OAB tem uma função essencial: zelar pelo Estado Democrático de Direito. No âmbito da diversidade, ela é um espaço de resistência, inclusão e transformação social.
E o futuro da luta por igualdade?
Vejo com esperança, mas também com alerta. Como disse Bertolt Brecht: “A cadela do fascismo está sempre no cio.” Precisamos estar vigilantes contra retrocessos e continuar avançando com coragem.
Moda, Cultura e Arte
Você é embaixador do RS Fashion Week. Como a moda se conecta à sua trajetória?
A moda é espelho do tempo. Hoje vemos grifes levantando a bandeira da diversidade, algo impensável há 15 anos. Ser embaixador do maior selo de moda e, ao mesmo tempo, advogado e bailarino, mostra que tudo é possível com classe e ousadia.
Moda também pode ser resistência?
Sim. Usar as cores da diversidade em tempos de conservadorismo é um ato político. Na Argentina, por exemplo, comprei uma edição de perfume que vinha com a bandeira gay estampada — um gesto simples, mas que protesta contra governos que negam a diversidade.
E o que o RSFW representa?
É diversidade em movimento. Um espaço onde não há preconceito, apenas criatividade. Foi emocionante, por exemplo, desfilar dentro da Catedral Metropolitana usando salto rosa pelo Outubro Rosa e terno azul pelo Novembro Azul, unindo moda, saúde e representatividade.
A arte já influenciou seu trabalho jurídico?
Com certeza. Sou bailarino profissional e apaixonado por dança. Ela me ensinou disciplina, coragem e a importância da expressão. Artistas como Ney Matogrosso me inspiram até hoje a usar a arte como bandeira da diversidade.
Conexão com a França
De onde vem sua paixão pela língua francesa?
Da família. Cresci cercado pelo idioma, estudei na Alliance Française e vivi na França ainda jovem. O francês é a língua da diplomacia, da moda e dos direitos humanos.
Há algo do pensamento francês que o inspira?
Sim, uma frase que li em Paris: “Arrisque seus pensamentos pensando o que ninguém pensou, arrisque seus passos pisando onde ninguém pisou.” E, claro, os ideais da Revolução Francesa — liberté, égalité, fraternité — que guiam minha vida.
Visão de futuro e legado
Como vê a interseção entre moda, arte e direitos LGBTQIA+ no Brasil?
A arte é a nossa grande força criativa. A moda acompanha a sociedade e os direitos são uma luta diária. Como disse Erika Hilton: “Para cada um de nós que cair, cem levantarão.”
Quais projetos são prioritários daqui para frente?
Dar continuidade ao projeto Transver, contar histórias de pessoas trans, fortalecer a Comissão da Diversidade e, acima de tudo, não desistir nunca. Quem nasce em certos corpos não tem o direito de desistir.
E como deseja ser lembrado?
Transformo essa resposta em uma epifania: “Nasci sem pedir, vou morrer sem querer, aproveitei o intervalo para deixar o mundo um pouco melhor.”
*****************

Especialista na gestão de carreiras de modelos para o mercado internacional, Fabiano Biazon acumula mais de duas décadas de experiência no segmento. Por mais de 10 anos, juntamente com Mateus Ahlert, liderou a conceituada agência Premier Models. Foi responsável pela descoberta e preparação de centenas de modelos, como Léo Bruno, ex-empacotador de supermercado em Criciúma, que se tornou estrela de uma das campanhas da Louis Vuitton, e Daniela Sulzbacher, que modelou em Paris, Itália, Nova York e Tóquio. Durante a pandemia, adaptou os processos de construção de talentos para o formato on-line: da escolha inicial a preparação individual do casting.
Comentários