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ENTREVISTA – THEDY CORRÊA

Atualizado: 6 de ago. de 2020


Versátil, inteligente, criativo e focado. Estas são algumas das qualidades do Thedy Corrêa, vocalista da banda gaúcha Nenhum de Nós, que pudemos evidenciar em um bate-papo descontraído nos corredores da Livraria Cultura, em Porto Alegre. O local, escolhido pelo músico para o encontro, deixou claro mais uma das suas paixões além da música, a literatura.


entrevista thedy correa
Thedy Correa - Foto: Daniel Martins

O ex-estudante de engenharia civil, Thedy Rodrigues Corrêa Filho, mudou sua trajetória quando junto aos amigos Carlos Stein e Sady Homrich, resolveu montar a banda Nenhum de Nós, que emplacou no cenário nacional na década de 80, lançando a música “Camila”, considerada um dos clássicos do rock brasileiro. A partir daí ganharam espaço e a banda foi lançando novos hits e até hoje vem mantendo forte presença musical.


Além de músico e compositor, Thedy também é escritor, apresentador e palestrante. A energia e motivação para tudo isso, segundo o músico, vem de uma vida regrada. Desde o tempo de escola procura manter sempre a prática de atividades físicas, é faixa amarela no Kung Fu, leva uma vida saudável, não tem medo de ir ao médico e gosta muito de ler e planejar bem todos os seus projetos.


Aos 50 anos, cheio de experiências e projetos em ação, Thedy conta pra gente um pouco do que já rolou e o que vem por aí, nesta entrevista bacana realizada na “companhia” dos livros.


O primeiro sucesso do Nenhum de Nós foi com o clássico “Camila”, que trouxe pra música um tema importante: a violência contra a mulher. Quem compôs a música e de onde veio à inspiração ou a motivação pra lançar a banda com um tema que na época e também hoje, ninguém pensou e ousou?


Essa música foi escrita na realidade pelo trio. Na verdade todas as músicas dos dois primeiros discos do Nenhum de Nós, todas aquelas que não são versões é claro, como o Astronauta de Mármore, foram literalmente escritas pelos três integrantes da banda. Naquela época o processo era coletivo mesmo. E o tema realmente, tanto naquele momento como agora, parecia uma loucura. Mas o que originou a música foi a história que nos contaram, que narrava as dificuldades de uma pessoa que a gente conhecia, no relacionamento dela com o namorado, um cara estúpido, grosseiro que acabou fazendo com que essa menina passasse por alguns constrangimentos. Então a gente resolveu escrever ... “Da vergonha do espelho...aquelas marcas...havia algo de insano...”. Só que a música é cantada na primeira pessoa, então isso gerou muitas e diferentes interpretações quanto à mensagem , o que é bacana com todo o tipo música. Cada um constrói a sua interpretação de acordo com suas vivências, carga de conhecimento e experiências. Não existe certo ou errado nisso.


Muita coisa mudou na música de modo geral desde o surgimento do Nenhum de Nós. Diante disso, te pergunto como tu enxergas o rock brasileiro hoje e particularmente o rock gaúcho em relação ao cenário nacional?


Sempre que me perguntam isso eu digo que não vejo e nunca senti nenhum preconceito por ser rock gaúcho. Grandes bandas como Ira, Paralamas e outras com quem já tocamos, sempre nos receberam bem, com bastante generosidade e na mídia também. O rock gaúcho perdeu espaço assim como o rock de maneira geral perdeu. Mas por exemplo, o Nenhum de Nós segue fazendo uma média de 90 a 100 shows por ano, tocando no Brasil inteiro. O que acontece é que se estabeleceu um tipo de mercado diferente, não há mais a relação dominante de gravadora e artista, a coisa de tornou mais independente, não é mais massiva como foi um dia. Mas existe mercado sim, existe público sim, porém este público não frequenta a grande mídia. Mas nós aprendemos a conviver com isso, batalhamos mais ainda e vamos indo.


Além de músico, compositor, apresentador, tu és escritor e palestrante. Até agora foram dois livros publicados e diversas palestras em diferentes lugares. O que te motiva a escrever? Como tu consegues mesclar a música com conteúdo corporativo?


Em primeiro lugar acho legal contar por que eu decidi me dedicar a esses trabalhos. Geralmente quando um músico não tá trabalhando com banda, mas tá envolvido com música, ele se dedica a cantar na noite, em bares e tal. Mas esse não é o meu perfil. Eu sempre preenchi meu tempo livre me voltando pra literatura e informação. Com isso escrevi os livros, participo de feiras de livros, faço palestras voltadas a importância da leitura e também construí uma palestra - com a ajuda especial do meu amigo e colega Túlio Millmann -, sobre a troca de experiências da música com o mundo corporativo. Em cada palestra a música é o fio condutor pra gente trabalhar inovação, estimular o trabalho em equipe, gerenciamento de crises...entre outras questões de uma forma bem atual. Eu tenho feito isso pra várias empresas como HSBC, Caixa Econômica Federal, Fiat e o resultado é muito bom. Tu consegues comunicar de uma forma diferente, usando a música como ferramenta.


A tua participação no cenário cultural de Porto Alegre é bem intensa. Como foi fazer a direção musical da peça o Apanhador?


Na verdade eu já tenho uma trajetória fazendo trilha de teatro. Até agora trabalhei praticamente só com o ator e diretor Zé Adão Barbosa, quem me convidou pra fazer a primeira trilha e que me rendeu o Prêmio Açorianos, nesta categoria. De lá pra cá venho fazendo diversos espetáculos dele e isso é uma coisa que me dá um enorme prazer e abre várias possibilidades pra fazer o que gosto. No começo do ano o Zé me convidou pra fazer a trilha do que seria uma montagem do Apanhador, inspirado no livro O Apanhador no Campo de Centeio, do escritor americano J. D. Salinger. Daí eu propus a ele o desafio de fazermos um musical, que é uma coisa que quase não acontece em Porto Alegre. Então ele topou e encaramos o projeto, fazendo uma criação coletiva comigo na direção musical, Carlota Albuquerque na direção coreográfica, Larissa Sanguiné e Fernanda Petit na direção Cênica, com a coordenação geral do Zé. Foi um trabalho muito legal, um tremendo sucesso e voltará pra uma nova temporada em cartaz este ano ainda.


Depois de ter conquistado reconhecimento do teu trabalho e talento, não só como músico, o que é prioridade hoje na tua vida?


Acho que esse tanto de coisas que eu fiz até hoje sempre tiveram um objetivo comum, enriquecer o meu trabalho musical e de literatura. Circular em outras áreas, o contato com outros públicos, me comunicar com pessoas de outras origens artísticas, de outras ramificações da arte, sempre foi com este intuito. Eu devo lançar, ainda neste primeiro semestre, um novo livro de poemas, meu terceiro livro, segundo de poemas. Então meu objetivo segue o mesmo, quero continuar enriquecendo meu trabalho e com isso me tornar um artista bacana, fazendo um trabalho digno na arte e na música.



Diante dessa onda de protestos, violência de todos os tipos, descontentamento geral do povo brasileiro, tu levantas a bandeira de alguma causa?


Eu levanto uma bandeira contra o radicalismo. Eu defendo uma bandeira a favor do diálogo. O momento que a gente tá vivendo é de extremos. As pessoas decidiram que devem acreditar numa corrente de pensamentos e ignoram qualquer outra corrente. Não estão dispostas a abrir seus pensamentos. Esse radicalismo é muito perigoso, então a minha bandeira é contra isso e a favor do diálogo e do debate qualificado. Nas redes sociais, por exemplo, têm se debatido política de uma maneira muito rasteira, superficial, com uma linguagem às vezes violenta, o que não ajuda em nada o crescimento do país ou a solução dos problemas.

Entrevista publicada originalmente na edição impressa número 17, da Revista Eléve.

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